Uma Filosofia de Trabalho como Justificativa para Implantação do Projeto Político e Pedagógico do Curso de Licenciatura em Educação Física na UERJ.
O Instituto de Educação Física e Desportos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro está desencadeando um processo de discussão interna para uma posterior implantação dos Cursos de Graduação Plena e de Licenciatura Básica em Educação Física para atender às exigências estabelecidas nas Diretrizes Curriculares Nacionais com relação a tais Cursos, recentemente publicadas no Diário Oficial da União, e também levando em consideração as normas internas da UERJ para este fim.
Por outro lado, evidenciamos que a Comunidade Acadêmica e Profissional da Educação Física brasileira foi ouvida quando da elaboração das referidas Diretrizes. Por isto mesmo destacamos que o esforço feito por esta Comunidade foi extraordinário até se chegar a uma síntese ou um consenso atual resultante de um longo processo dialético que vem se desenrolando e aperfeiçoando ao longo de pelo menos vinte e cinco anos acerca da formação do Profissional de Educação Física e que, com certeza, ainda teremos muito que fazer daqui para frente neste sentido.
Vamos a seguir destacar de alguns dos artigos da referida Resolução os aspectos em torno dos quais apresentaremos alguns questionamentos e reflexões em função da importância dos mesmos para o desenvolvimento do assunto em questão.
Art. 3o - A Educação Física é uma área do conhecimento e de intervenção acadêmico-profissional que tem como objeto de estudo e de aplicação o movimento humano como foco nas diferentes formas e modalidades do exercício físico, da ginástica, do jogo, do esporte, da luta/arte marcial, da dança, nas perspectivas da prevenção de problemas de agravo da saúde, promoção, proteção e reabilitação da saúde, da formação cultural, da educação e da reeducação motora, do rendimento físico-esportivo, do lazer, da gestão de empreendimentos relacionados às atividades físicas, recreativas e esportivas, além de outros campos que oportunizem ou venham a oportunizar a prática de atividades físicas, recreativas e esportivas.
Art. 4o - O curso de graduação em Educação Física deverá assegurar uma formação generalista, humanista e crítica, qualificadora da intervenção acadêmico-profissional, fundamentada no rigor científico, na reflexão filosófica e na conduta ética.
Parágrafo 1o – O graduado em Educação Física deverá estar qualificado para analisar criticamente a realidade social, para nela intervir acadêmica e profissionalmente por meio das diferentes manifestações e expressões do movimento humano visando a formação, a ampliação e o enriquecimento cultural das pessoas, para aumentar as possibilidades de adoção de um estilo de vida fisicamente ativo e saudável.
Art. 5o – A Instituição de Ensino Superior deverá pautar o projeto pedagógico do curso de graduação em Educação Física nos seguintes princípios:
a) autonomia institucional [...];
e) ética pessoal e profissional [...].
Art. 6o - As competências de natureza político-social, ético-moral, técnico-profissional e científica deverão constituir a concepção nuclear do projeto pedagógico de formação do graduado em Educação Física.
Parágrafo 1o - A formação do graduado em Educação Física deverá ser concebida, planejada, operacionalizada e avaliada visando a aquisição e desenvolvimento das seguintes competências e habilidades:
- Dominar os conhecimentos conceituais, procedimentais e atitudinais específicos da Educação Física e aqueles advindos das ciências afins, orientados por valores sociais, morais, éticos e estéticos próprios de uma sociedade plural democrática.
Agora vamos descrever a seguir somente os aspectos destacados em negrito e em torno deles apresentarmos alguns questionamentos e posterior reflexões como uma forma de trazer uma singela colaboração para a implantação da Resolução em tela, particularmente no Instituto de Educação Física e Desportos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. São eles:
- Autonomia institucional;
- Projeto pedagógico;
- Deverá assegurar uma formação generalista, humanista e crítica, qualificadora da intervenção acadêmico-profissional, fundamentada no rigor científico, na reflexão filosófica e na conduta ética;
- A concepção nuclear do projeto pedagógico de formação do graduado em Educação Física deverá ser planejada, operacionalizada e avaliada visando a aquisição e desenvolvimento das seguintes competências e habilidades:
- Dominar os conhecimentos conceituais, procedimentais e atitudinais;
- Ética pessoal e profissional;
- Ético-moral;
- Científica;
- Orientados por valores sociais, morais, éticos e estéticos próprios de uma sociedade plural democrática;
- Objeto de estudo e de aplicação do movimento humano;
- Foco nas diferentes formas e modalidades do exercício físico;
- Relacionados às atividades físicas;
- Intervenção acadêmica e profissional por meio das diferentes manifestações e expressões do movimento humano visando a formação, a ampliação e o enriquecimento cultural das pessoas.
Com relação ao aspecto da autonomia institucional devemos dizer que começamos pelo mesmo porque a Resolução em questão, ao privilegiar tal assunto, abre a possibilidade de que cada Instituição de Ensino Superior, respeitando obviamente os ditames estabelecidos na mesma, gere uma filosofia própria norteadora do Projeto Pedagógico ou da Política Operacional que identificará a “alma” ou o Valor Social de tal empreendimento intelectual.
Com isso já adentramos no âmbito do Projeto Pedagógico. Ora, tal expressão nos indica que deve haver uma proposição pedagógica claramente expressa a fim de se constituir em um caminho norteador da formação de um graduado e ou licenciado em Educação Física.
Esse caminho norteador também pode ser denominado por muitos como uma política de trabalho ou ainda de uma filosofia de trabalho acerca do Projeto Pedagógico. Todavia, pode-se questionar:
Como podemos estar seguros em afirmar que algo pode se constituir efetivamente em uma filosofia de trabalho?
- A resposta é esta:
A filosofia não tem um objeto próprio de estudo. Tudo pode se tornar objeto de estudo do saber filosófico, inclusive, o Projeto Pedagógico em questão.
Mas isso é tão simples assim?
Não, evidentemente que não. Há uma restrição importante, ou seja, tem que necessariamente ser enfocado através de um tema, de uma problemática e de uma questão própria ou específica do saber filosófico.
Portanto, vamos a seguir retirar alguns termos ou expressões dos assuntos que foram anteriormente destacados em negrito a fim de evidenciar que poderemos ter uma filosofia de trabalho para o Projeto Pedagógico, pois os descreveremos à luz de um tema, de uma problemática e de uma questão inerente ao saber filosófico.
Quando se fala que se deverá assegurar uma formação generalista, humanista e crítica, qualificadora da intervenção acadêmico-profissional, fundamentada no rigor científico, na reflexão filosófica e na conduta ética, não resta dúvida quanto às expressões “reflexão filosófica” e “conduta ética” serem claramente identificadas com o que foi comentado anteriormente.
Contudo, os termos “humanista”, “crítica”, “qualificadora” e “rigor científico” não estão relacionados com o saber filosófico?
É claro que sim e isto será visto ao longo desta explanação, quando os mesmos forem abordados isolados ou juntamente com outros termos e expressões.
Quando se comenta que a concepção nuclear do projeto pedagógico de formação do graduado em Educação Física deverá ser planejada, operacionalizada e avaliada visando a aquisição e desenvolvimento de competências e habilidades como: dominar os conhecimentos conceituais, procedimentais e atitudinais; ética pessoal e profissional; ético-moral; científica e orientados por valores sociais, morais, éticos e estéticos próprios de uma sociedade plural democrática, também não resta dúvida que expressões como ética pessoal e profissional, valores morais, éticos e estéticos também serem claramente identificados com o saber filosófico. Além de surgir novamente o termo “científico” também como uma possibilidade de ser interpretado em tal contexto conforme comentado anteriormente.
Por último, outras expressões podem ser interpretadas no âmbito do saber filosófico. Isso acontece quando se descreve que a Educação Física é uma área do saber ou do conhecimento acadêmico e profissional que tem por objeto de estudo e de aplicação o movimento humano com o foco centrado nas diferentes formas e modalidades de exercícios físicos denominados ou relacionados como atividades físicas visando a formação, a ampliação e o enriquecimento cultural das pessoas.
Essas expressões são: “área do conhecimento”; “objeto de estudo e de aplicação”; “movimento humano”; “foco centrado na prática de diferentes formas e modalidades de exercícios físicos denominados ou relacionados como atividades físicas”; “visando (ou tendo como propósito) a formação, a ampliação e o enriquecimento cultural das pessoas”.
As expressões “conduta ética”, “ética pessoal e profissional”, “ético-moral”, “valores morais e éticos” utilizados com conotações específicas ao longo do texto podem ser amplamente interpretadas, no âmbito do saber filosófico, à luz do tema do agir humano que é esclarecido pelas problemáticas da moral, da ética e da bioética e das questões relativas às garantias dos direitos humanos seja em uma perspectiva individual ou social.
Parece não restar dúvida quanto à relevância desse tema do agir humano e suas respectivas problemáticas e questões na formação de um Profissional de Educação Física, pois poderão tornar os graduados e licenciados em verdadeiros educadores. Isto só será possível se lhes forem transmitidos efetivamente: a) uma base conceitual sobre o que seja moralidade, moral, imoral, amoral, o moral, more, ética, deontologia, bioética e educação; b) uma fundamentação teórica baseada em vários autores que lhes permitam uma aplicação social nas áreas: b1) da educação de acordo com a LDB – Lei de Diretrizes e Bases e como os PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais, especialmente com relação ao desenvolvimento moral de crianças, de jovens e de adolescentes; b2) da profissão ou do mercado de trabalho de acordo com a CBO – Classificação Brasileira de Ocupações e com o Código de Ética Profissional e com o Código Processual de Ética elaborado pelo Conselho Federal de Educação Física como um instrumento de assegurar e garantir à sociedade brasileira os benefícios da prática das atividades físicas; b3) da saúde, mais especificamente, como prática preventiva nos níveis primário, secundário e terciário de saúde pública no âmbito do SUS – Sistema Único de Saúde. Assim como também, nas pesquisas e nas prestações de serviços com humanos em conformidade com a Resolução 196/96 da CONEP – Comissão Nacional de Ética em Pesquisas do CNS – Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde.
Já a expressão “valores estéticos” pode ser interpretada, no contexto do saber filosófico, à luz do tema do belo ou da beleza que é esclarecido pela problemática da estética e de questões que irão variar de acordo com alguma escola ou autor específico como, por exemplo, a estética geométrica ou pitagórica.
Esse tema do belo ou da beleza com suas respectivas problemáticas e questões terá relevância na formação de um graduado ou licenciado em Educação Física porquê uma “fatia” significativa do mercado de trabalho é representada pela prática das atividades físicas em academias de ginástica e que a clientela das mesmas se dirige a tais espaços movidos, essencialmente, para suprirem carências de natureza estética.
Por outro lado, toda e qualquer manifestação de atividade física deve também ser interpretada através da avaliação de um corpo em movimento dotado de sentido e significado, e tal interpretação pode assumir uma conotação de corporeidade em uma perspectiva estética ou de uma arte bela ou ainda de uma bela arte.
Com relação às expressões “área do conhecimento”; “objeto de estudo e de aplicação”; “movimento humano”; “foco centrado na prática de diferentes formas e modalidades de exercícios físicos denominados ou relacionados como atividades físicas” podem ser esclarecidas no contexto do tema do conhecimento com suas respectivas problemáticas de resolução que são: a gnoseologia ou teoria geral do conhecimento, a epistemologia ou teoria crítica do conhecimento científico, a metodologia ou a teoria acerca das estratégias através das quais se organiza o conhecimento, e finalmente a ontologia lato e stricto sensu ou a teoria que estuda o Ser como objeto de estudo em sentido Geral e Particular ou Fundamental. Assim como pelas questões da origem do conhecimento, da natureza ou essência do conhecimento, das formas de aquisição do conhecimento e dos limites do conhecimento humano.
Esse tema do conhecimento com suas respectivas problemáticas e questões de resolução deve ser considerado como extremamente relevante na formação profissional de um graduado ou licenciado em Educação Física, pois será justamente através do mesmo que a nossa área de atuação encontrará sua efetiva identidade como “área do conhecimento” e a partir daí reconhecida academicamente e socialmente.
Tais profissionais como sujeitos cognoscentes deverão, em outras palavras, ser os sujeitos responsáveis por gerarem um conhecimento próprio ou genuíno ou ainda com qualquer outra denominação como, por exemplo, original, próprio ou específico etc. Só que para isto acontecer, se torna imperativo que todos nós o façamos em torno de um objeto cognoscível em comum.
Esse objeto cognoscível já está definido, ou seja, o movimento humano. Todavia, como tal expressão tem uma conotação muito ampla ficou delimitada a abrangência específica da mesma com relação à Educação Física, como tendo foco ou a intencionalidade da consciência centrada na prática de diferentes formas e modalidades de exercícios físicos denominados ou relacionados como atividades físicas e motoras.
Como foi comentado no início desta descrição, consideramos que tal definição do objeto de estudo foi um avanço extremamente significativo. Porém, entendemos que a definição em tela necessita de uma ampliação em sua configuração. Dizemos isto porque, para que o objeto de estudo de uma determinada área do conhecimento possa ser amplamente interpretado, ou seja, compreendido e explicado, torna-se necessário, gnoseológica ou epistemologicamente, que o mesmo seja configurado em duas dimensões ou perspectivas, ou seja, uma Formal e outra Material ou Prática.
A dimensão Formal é aquela que deve dar a forma ou o sentido lógico para a organização do conhecimento humano, portanto deve ser considerado como o grande objetivo ou fim e ao mesmo tempo o ponto de referência inicial do conhecimento a ser gerado ou produzido, enquanto que a dimensão Prática ou Material se consubstancia como um meio importantíssimo para se alcançar esse grande objetivo ou fim referido.
Se por um lado pode-se considerar que o objeto prático ou material de estudo da Educação Física foi claramente definido como sendo “o movimento”, configurado por diferentes modalidades de exercícios físicos denominados ou relacionados como atividades físicas e motoras, por outro lado, o objeto formal de estudo não o foi, pois ao se utilizar simplesmente o termo “humano”, e não se apresentar uma definição clara para o mesmo, abre-se um espaço para múltiplas possibilidades de interpretações obscuras ou, o que é pior, deixa-se relegado a um plano secundário a extrema relevância do assunto, ou ainda, nem mesmo haver uma preocupação para com o termo em tela a ponto de alguns Programas de Educação Física terem retirado ou suprimirem o termo humano da nomenclatura que os identifica academicamente.
Perguntamos para aqueles que julgam tal assunto ser tão óbvio e que nem mesmo justificaria tanta preocupação manifestada no parágrafo anterior:
- O que é humano?
- Como se constitui a condição humana?
- Qual é o destino humano?
- Quando o Ser do Homem pode ser considerado ou não um ser humano?
- Por um acaso não seria a educação a melhor estratégia de humanização ou hominização do Ser do Homem?
- Qual seria a responsabilidade do Profissional de Educação Física, seja ele um graduado ou licenciado, no contexto dessa estratégia educacional já que temos o termo Educação com um pré-nome amalgamado na denominação que identifica tal área do conhecimento ou de atuação profissional?
Bem, essas e outras perguntas da mesma natureza das anteriores poderão ser respondidas pelos Profissionais de Educação Física não só com o aprofundamento do tema do conhecimento com suas problemáticas e questões de resolução descritas anteriormente como também pela observância do conteúdo do parágrafo seguinte.
A expressão “visando (ou tendo como propósito) a formação, a ampliação e o enriquecimento cultural das pessoas” pode ser elucidada pelo tema do Homem com sua problemática de resolução que é a Antropologia Filosófica que tem por questão central o estudo do Ser do Homem com Pessoa ou como Pessoa Humana.
Por outro lado, se enfocarmos o termo “cultural” da mesma expressão, veremos que o movimento humano concebido, para a formação de um profissional de Educação Física, deverá ter também uma conotação “enriquecida”.
Esse “enriquecimento” significa, ao nosso ver, ampliar a “pobre” ou a pouco abrangente concepção de cultura em que mesma fica restrita exclusivamente à dimensão sócio-histórica ou fenomenológica do movimento humano, deixando de lado ou excluindo o também importante aspecto bio-físico ou fenomênico do mesmo.
Isso porque, em uma perspectiva da filosofia cultural contemporânea, considera-se que a cultura é representativa de uma síntese entre dois pólos antitéticos que são, por um lado, o da natureza ou os aspectos relacionados com o genótipo e, por outro, o histórico ou os aspectos relacionados com o fenótipo de um determinado fenômeno investigado. No nosso caso da Educação Física, o comentado movimento humano.
Por último, destacamos o termo “qualificadora” para nortear a formação e a intervenção acadêmica e profissional de um graduado ou licenciado em Educação Física. Isto porque o referido termo poderá se constituir no sentido ou no significado social da formação e intervenção em questão.
Todavia, pode-se também questionar:
- Que qualidade é essa prevista como um dos pilares de tal formação e de intervenção acadêmica e profissional?
- Será uma qualidade primária?
- Será uma qualidade secundária?
Não. Defendemos que ela seja concebida como uma “qualidade estrutural” de natureza metafísica denominada de valor que, efetivamente, doará sentido e significado à formação acadêmica e à intervenção profissional de um graduado ou licenciado em Educação Física ao ser positivamente agregada à mesma.
Por tudo isso que foi desenvolvido ao longo desta descrição, sugerimos,como membros da Comissão encarregada de elaborar o Projeto de Reformulação Curricular para os Cursos de Graduação e Licenciatura do Instituto de Educação Física e Desportos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que a filosofia de trabalho do futuro Projeto Pedagógico que irá nortear a formação dos futuros profissionais de Educação Física, seja constituída, essencialmente, em torno dos temas do Ser, do Conhecer (científico) e do Agir Humano em uma perspectiva do Valor ou do Valer e que tenha, portanto, como tese central ou nuclear “Uma interpretação científica acerca do Valor da Pedagogia Cultural do Movimento do Ser do Homem em uma Perspectiva Humanizada”.